sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Muito Além do Jardim

Melissa Flôres

Começamos assim: preparando bem os canteiros, levantando-os a 15 cm de altura. Se você não tiver um jardim ou um espaço de terreno disponível, experimente um vaso ou uma floreira, coloque perto de uma janela.

A prática da jardinagem nasce com as primeiras civilizações.A Mesopotâmia nos deu uma das maravilhas do mundo: os Jardins Suspensos da Babilônia, que se caracterizam por um desejo de superação do arquitetônico sobre o natural; no antigo Egito, os jardins deveriam ter uma simetria rigorosa; o povo persa introduziu a liberdade e as flores perfumadas; a Grécia possuía jardins com características próximas das naturais; os romanos criaram jardins metódicos e ordenados, integrando-os às moradias; na China e Japão, a tarefa do jardineiro limitava-se a ordenar o já existente, concentrando atenção ao essencial. Já na Idade Média, com a construção de várias igrejas e mosteiros, o verde foi praticamente banido da vida urbana, limitando-se ao uso funcional (ervas medicinais, hortaliças, ou flores para os altares das igrejas).

O Renascimento, na Europa, traz para os jardins a organização formal. A paisagem era desenhada com régua e compasso, resultado disso é a simetria das linhas geométricas. Os jardins desse período são tidos como centros de retiro intelectual onde estudiosos e artistas podiam trabalhar e discutir, longe do calor do verão das cidades.

No Brasil, a história documentada do paisagismo inicia em 1808, com a chegada de D. João VI e a criação do Jardim Botânico, ganhando forças com a contratação de profissionais para os preparativos do casamento de D. Pedro I. A partir daí, a prática se espalha para os outros estados brasileiros de forma livre, como observam os especialistas do assunto, “nem sempre respeitando um único estilo.”


Continuando... use 30 gramas de adubo NPK de uma fórmula comercial ou 150 gramas de esterco bem curtido para cada 1 metro quadrado de canteiro, ou substitua tudo isso por um pouco de terra boa. Misture bem.

O jardim é uma pequena porção de natureza planejada, idealizada para existir perto do homem. Ele pode ser público, localizado em praças ou parques nas áreas urbanas; ou privado, junto às residências, como forma de ornamentação da fachada, ou como lugar de convívio na parte externa ou interna, o chamado Jardim de Inverno; ou, ainda, em pequenas floreiras ou vasos nas sacadas e janelas dos apartamentos.

Observa-se que, ao longo dos tempos, o homem sempre procurou construir jardins para seu deleite, e também para uma tomada de consciência de seu lugar no mundo, como bem nos diz Giulio Carlo Argan: “A natureza não é apenas fonte de sentimento; induz também a pensar, especialmente na insignificante pequenez do ser humano frente à imensidão da natureza e suas forças.”

Próximo passo: Semeie e cubra com 0,5 cm de solo fofo ou serragem fina. Época de plantio: todo ano (ideal para o verão).

No século XVIII, na Inglaterra, um termo surge como categoria estética em relação à paisagem natural: Pitoresco. Este termo está ligado à raiz do Romantismo Histórico e evoca as imperfeições, assimetrias, detalhes curiosos de uma natureza acolhedora, generosa, irregular, agradável, um estímulo à imaginação e ao pictórico. O pitoresco vai expressar-se na jardinagem, quando esta interfere na natureza sem tirar-lhe a espontaneidade. Segundo Argan, “o pitoresco põe em relevo a irregularidade ou o caráter das coisas.”

Entre os pioneiros da chamada estética pitoresca, encontram-se Alexander Cozens, que teoriza e expõe um método de pintura pitoresca que seu filho e também pintor, John Robert Cozens, continuou desenvolvendo; William Gilpin, que em 1782 cria uma espécie de guia ilustrado do pitoresco; Richard Payne Knigth, que escreve em 1794 um poema didático intitulado A paisagem; Sir Uvedale Price, que entre 1794 e 1798 escreve o Ensaio sobre o pitoresco, e coloca-o em prática no traçado de sua propriedade rural no condado de Hereford, nos EUA e Jean-Jacques Rousseau, que vai falar em Pitoresco Social, relacionando natureza e sociedade, integrando o indivíduo ao seu ambiente natural.

O artista norte-americano Robert Smithson, a partir de seu trabalho “Um passeio pelos monumentos de Passaic”, cria o que poderíamos chamar de Pitoresco Entrópico. Apresentado em um livreto ilustrado, como em um diário, descreve-nos, detalhadamente, os acontecimentos do sábado 20 de setembro de 1967, em sua ida à Passaic, sua cidade natal, subúrbio de Nova Jérsey. Nesse diário relata-nos o contato com uma paisagem constituída de restos de um território industrial. Esse panorama parecia conter uma série de ruínas românticas invertidas, ou seja, as construções e objetos encontrados não caem após serem construídos, e sim alcançam o estado de ruína antes de serem construídos.

Smithson encontra e nomeia monumentos algumas das situações com as quais se depara por acreditar que elas revelem a memória imediata desta região, como o Monumento Ponte sobre o Rio Passaic, cercado por outros monumentos menores, tais como máquinas e materiais utilizados na construção de uma nova estrada. Caminhando em direção ao norte, ao longo do rio, encontra e fotografa os Monumentos Grande Tubo, Plataforma de Bombeamento e Fonte. Alguns passos à frente, e lá está o Monumento Caixa de Areia, constituído de pequenas partículas que, segundo o artista, o faziam resplandecer com a luz do sol que brilhava tristemente.

Um profundo sentimento de admiração me faz refletir sobre esse assunto e criar a ocorrência Jardim Secreto, que tem como objetivo o desejo de despertar uma motivação afetiva nas pessoas envolvidas (para além do jardim).

Após semear, regar pelo menos uma vez por dia, preferencialmente ao início da manhã ou no fim da tarde. As sementes germinarão entre 5 e 14 dias.

Caminhando por praças e parques da cidade de Porto Alegre desde novembro de 2007, sem um cronograma e roteiro pré-estabelecidos, tenho distribuído envelopes com sementes de flor. Estes envelopes foram planejados especialmente para esta ação e contêm instruções detalhadas para o plantio e cultivo de uma flor de jardim, omitindo, contudo, a espécie contida no seu interior.

A cada saída, ao longo destes meses, uma nova surpresa: a aceitação sorridente das pessoas abordadas, os comentários felizes e agradecidos como:

Estava mesmo precisando!

Sementes de flores, que bom!

Vou levar para a minha mãe, ela gosta disso.

Vou plantar no meu sítio...

Tenho muitas flores na minha casa!

Posso levar mais um?

Nenhum comentário questionador referente à origem do trabalho, ou a alguma intenção velada surgiu. Mesmo por parte de algumas pessoas que, após perguntarem que semente continha o envelope e descobrirem que eram secretas, apenas um esclarecimento:

Por favor, só me diga uma coisinha, devo plantar em um espaço grande, ou pode ser em um vasinho?

O fato que mais me emocionou, aconteceu na Praça México localizada na zona norte de Porto Alegre. Era um sábado muito ensolarado de janeiro deste ano, a praça estava cheia de crianças brincando, famílias tomando chimarrão, jovens ouvindo música e jogando bola, comecei a distribuição de um ponto da praça ao qual retornei após percorrê-la. Sentei um pouco para descansar e percebi que uma família (mãe e um casal de filhos) estava plantando ali mesmo as sementes entregues por mim há alguns minutos. Acredito que esse foi o momento mais feliz do Jardim Secreto e fez todo a experiência valer a pena.

“Gesto é o nome dessa encruzilhada onde se encontram vida e arte (...) Nem valor de uso, nem valor de troca, nem experiência biográfica, nem acontecimento impessoal, o gesto é o contrário da mercadoria, fazendo precipitar na situação os cristais dessa substância social comum.

Giorgio Agamben

Através de um gesto simples, anônimo e fugaz, pretendo levar algo novo ao dia-a-dia da pessoa que acolhe um dos quase dois mil envelopes, que guardam um pequeno segredo que só será revelado pelo carinho do cultivo. A proposição faz pensar também em um jardim acontecendo à distância, várias flores brotando em segredo, uma em relação à outra, mas todas fazendo parte de um grande jardim e unidas por gestos de carinho.

A floração acontece em 60 dias no verão e em 70 dias no inverno. Atrai borboletas.

Melissa Flôres

Junho de 2008

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